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quarta-feira, 30 de março de 2011

UM DOS AVISOS


Tínhamos uma fé cega nos sonhos uma da outra.
Ela tinha medo de mim...
Dizia que eu era bruxa, que meus sonhos causavam medo devido à freqüência em que eles mostravam o que estava por vir.
Por isso, estabelecemos uma rotina matinal de contar os sonhos que tivemos uma à outra, só pra depois poder comparar qual de nós tinha sido a ‘poderosa da vez’.
Uma coisa aconteceu dias antes do acidente.
Eu estava trabalhando e ela me ligou, assim que acordou, pra contar o que tinha sonhado:


- Mãe?

- Oi...

- Ai mãe... Acordei chorando agora...

- Por quê?

- Sonhei com você.

- Que linda! Ficou emocionada por ter sonhado comigo?

- Não, mãe... Sonhei que você tinha sofrido um acidente grave, machucado muito a cabeça. Você estava na UTI, eu entrei pra te ver e você não me reconhecia. Eu falava com você e você não respondia. Que desespero... Por isso acordei chorando.


Incrível...
Só depois as coisas fizeram sentido: no sonho, fui eu a protagonista de uma situação que aconteceria com ela dias depois.
Se pudéssemos traduzir os sonhos ao pé da letra...



“A dor que você sentiu no sonho, foi a dor que senti naquele hospital, minha querida...
Presenciar você em estado de inconsciência foi equivalente a enterrar um punhal no meu peito.
Sussurrar em seu ouvido sem saber se podia me ouvir, foi um ato de silencioso desespero. E que desespero!
O grito que não dei dentro daquela UTI, se transformou numa força agigantada de continuar fazendo por você aquilo que você esperava de mim: somente o melhor.
Se um grito de mãe pudesse te trazer de volta... Ah... Como seria simples!
Por isso, minha vida, estou tentando manter a calma e seguir.
Meu coração grita, meus olhos choram e minha cabeça implora a eles que parem com essa rebeldia.
Como é difícil...
Você é um pedacinho de mim, lembra?”

PEQUENOS TESOUROS



BEIJO-ABRAÇADO



Por mais que eu prometa ser forte, há momentos em que penso que vou morrer também.
Sinto meu coração descompassar, a cabeça doer e o corpo se render...
Ontem acordei, sentei na sala e olhei fixamente para o topo da escada.
Não sei exatamente por quanto tempo fiquei olhando pra cima, mas foi o suficiente pra eu fantasiar que você acordaria, desceria a escada e me daria aquele beijo-abraçado pedindo pra eu fazer leite com Nescau pra você.
Quando voltei à razão, já estava chorando.
E chorei muito.
Acho que hoje foi o dia em que mais chorei.
A consciência do ‘nunca mais’ me desespera...

terça-feira, 22 de março de 2011

MINHA CANTORA

Anjo meu...
Essa é a trilha sonora da sua vida.
Outro dia mesmo você me pediu pra excluir esse vídeo porque estava morrendo de vergonha.
Desculpe, meu amor... Sua voz é a coisinha mais linda pra mim.
Canta pra mim, canta...

CANTA LINDAMENTE PRA MAMÃE...




AMO DEMAIS...

22 DIAS SEM VOCÊ





Hoje, 22 dias sem você.
Ainda não consigo acreditar...
Fecho os olhos e tenho a sensação de que, ao abri-los, você estará aqui, com aquele sorrisão enorme me chamando de mãezinha.
Ah, Bianca... Ainda outro dia nos abraçamos na minha cama e dissemos que não viveríamos uma sem a outra.
Amor que dói.
Amor que mantém.
Amor imenso que sinto por você...
Como éramos parecidas...
Engraçado como nos víamos uma na outra...
Eu via em você todo o meu sarcasmo característico muito mais lapidado, mais bem aplicado.
Algumas coisas que você falava pareciam ter saído da minha boca, e ríamos muito disso!
Você via em mim a mulher que seria em alguns anos, e eu me orgulhava por ser essa referência.
Quantas bobagens falamos!
Nossos peitos eram assunto pra horas de risadas...
‘Meu peito de hoje seria seu peito de amanhã’, e você dizia que se chegasse aos 35 com os peitos iguais aos meus, seria uma mulher feliz!
Falávamos sobre nosso talento em beijar ‘caras feios’: fizemos muitos feios felizes.
Você amava loucamente um feio... Quanto desperdício!
Mas o que seria dos feios se pessoas como nós não existissem?
Ah, filha, eu queria te contar tanta coisa...
Tenho evitado dormir, não sei dizer por qual razão.
Ontem tive um dia difícil, meu coração estava sendo corroído pela saudade.
Entrei no seu quarto, falei com você, chorei tanto...
Seus amigos falam comigo como se estivessem te procurando em mim... Há quem diga que nossa maneira de falar é exatamente igual.
Vi o homem que te matou.
Ele parece ser um daqueles evangélicos fanáticos que a gente tanto abominava.
Se tivesse um pouco de decência, amarraria uma corda a uma árvore e ao próprio pescoço.
Eu realmente lamento saber que isso não vai dar em nada. Estamos no Brasil, minha querida... Andar por aí num fusca 1976, podre de velho, para a justiça brasileira não significa ter a intenção de matar alguém.
Claro, era um fusca ‘super bem conservado’, praticamente uma relíquia de colecionador (de ferro velho).
Isso não o fará responder por homicídio doloso. Infelizmente.
Acho que ele ainda vai ler este blog um dia, e quero que ele veja a menina linda que matou.
Quero que o remorso seque o coração desse vagabundo, que ele não tenha paz na vida, que ele queime no inferno... Que a infelicidade seja sua companheira diária, que a cada vez que se olhar no espelho enxergue o semblante de um ASSASSINO, que é o que ele é.
Quero que ele saiba que, além de ter matado você, ele matou uma mãe, um pai e mais duas crianças.
Seus irmãos estão desnorteados...
Confortar o coração de cada um deles é uma árdua tarefa diária, até porque não consigo confortar nem a mim mesma.
Eu tenho muito ódio... E posso ter esse ódio mais do que qualquer outra pessoa no mundo: EU SOU A MÃE.
Mães amam e odeiam exatamente na mesma intensidade.
Somos leoas.
Deixando o ASSASSINO de lado por enquanto, queria dizer que estou cuidando também da Morgana que, assim como seus amigos, olha pra mim tentando encontrar você.
Até tenho deixado que durma comigo na cama, não a joguei longe nenhuma vez, eu juro... Ela sente muito sua falta e mia na porta do seu quarto esperando que você abra.
Ela realmente está mais reclusa, não anda se aventurando muito pelos telhados da vizinhança.
Quem disse que gatos não são apegados aos donos?
Cuidarei dela a vida inteira por você.
Em todas as direções pra onde olho, existe alguém me estendendo a mão e proferindo uma palavra de apoio.
Bom saber que posso contar com as pessoas.
Prometo a você, minha querida, que vou tentar fazer tudo o que tínhamos combinado antes de tudo acontecer.
Juro, pelo nosso eterno amor, que seus irmãos terão um lugar legal pra morar, sem que eu precise entrar em guerra com seu pai.
Viver sem você, daqui pra frente, vai ser como tentar montar um quebra-cabeça sem a pecinha central: vou ter que entortar as peças ao redor do espaço vazio pra que esse espaço pareça menor do que realmente é.
Aos olhos dos outros, depois de montado, pode até parecer que está perfeito; mas eu, sua MÃE, sempre terei a exata dimensão da lacuna deixada por você em minha vida.

Te amo eternamente...

sábado, 19 de março de 2011

MINHA MAIOR PARCEIRA



As mães, geralmente, são criaturas que se julgam merecedoras de toda a confiança de um filho.
Somos, claro, as únicas pessoas capazes de qualquer insanidade por eles, isso é inquestionável.
Mas será que só por que somos mães, eles devem nos contar absolutamente tudo o que acontece em suas vidas?
Claro que não.
Partindo do princípio de que jamais concordei com essa imposição de que ser mãe é ser obrigatoriamente a melhor amiga de um filho, sempre a deixei à vontade pra decidir o que eu deveria ou não saber.
Jamais mexi em suas coisas à procura de algo que ela pudesse estar me escondendo. Nunca mexi em suas coisas.
Não precisei buscar em diários nem mesmo a perda de sua virgindade.
Ela me contou.
E eu me orgulhei.
Fomos juntas ao ginecologista.
Isso, pra mim, foi o retorno mais positivo sobre a forma como a criei: a confiança que ela tinha em mim não foi imposta pelo fato de eu ser sua mãe, foi conquistada por eu ser sua amiga.
Ontem, criei coragem para abrir seu armário.
Não foi muito confortável fazer isso, a sensação de invasão do espaço alheio foi minha companheira.
De qualquer maneira, isso tinha que ser feito.
O dia estava lindo, um sol queimando forte...
Peguei boa parte de suas roupas e as lavei.
Cada roupa uma lembrança, uma situação, um cheiro, uma saudade, uma alegria...
Peguei uma mala grande, coloquei no sol, e à medida que as roupas secavam, eu as guardava lá dentro.
Foi uma coisa tão triste de se fazer...
Encontrei muitas coisas minhas misturadas às dela: ela me aprovava!
Outro dia ela mandou uma mensagem no meu celular dizendo que era incrível como a cada dia se parecia mais comigo.
Se orgulhava disso.
Nossa única diferença era uma docilidade que somente ela possuía.

“Meu amor, suas roupinhas estão ali, naquela mala, com cheirinho de roupa lavada... Gostaria de ter feito esta mala para você viajar com amigos no final de semana... Gostaria de lavar tudo de novo na segunda-feira para, em seguida, recolocar cada uma de volta ao seu lugar”.

TUDO FORA DO LUGAR




O mais difícil não é o velório, não é o enterro.
O mais difícil é voltar pra casa e se dar conta de que nada mais será igual.
Muita gente me perguntou se eu estava sob efeito de calmantes no velório.
Isso me chateou um pouco, porque fiquei imaginando o que é que estava fazendo as pessoas indagarem sobre isso.
Creio que decepcionei aos que aguardavam por uma cena escandalosa.
Precisei ser criteriosa até na hora de chorar, pois não tinha o direito de levantar a bandeira da contradição diante de tudo o que havia dito aos meus outros filhos.
Disse a eles que a “Tata” não gostaria de nos ver entristecidos, que tínhamos que ser fortes por ela.
Falei pra minha filha mais nova (e absurdamente ligada à Bianca) que a irmã virou um anjinho e que estava feliz por poder cuidar da gente lá do céu.
Então, se a Bianca está feliz, que direito tenho eu de ficar triste?
Tenho tentado não chorar, mas às vezes não é possível.
Hoje, tive uma dor muito forte no peito. Dor física.
Mal conseguia respirar.
Chorei.
Foi como fazer um furinho no fundo do coração pra dar vazão a um pouquinho da dor que estou sentindo.
É uma dor que se renova a cada minuto, a cada ‘mãe’ que deixei de escutar nas 24 horas do meu dia.
Hoje, no almoço, me dei conta de que arrumamos a mesa com 4 lugares, não mais com 5.
Uma cadeira ficou vazia, faltou um elogio ao meu feijão de caldo clarinho e sobrou muito suco de limão na jarra.
Ninguém me cobrou uma sobremesa daquelas que tenho preguiça de fazer, ninguém me pediu pra dar uma ‘ajeitadinha’ na franja com a escova porque tinha uma festa pra ir e ninguém me pediu um brinco ou uma blusa emprestada.


“Bibi...
Que falta me faz mexer em seus cabelos, morder suas bochechas
e tropeçar em sua desordem...”

MEU ANJO



A pessoa mais próxima que perdi foi meu avô, e isso foi há 14 anos.
Comentei isso esses dias aqui em casa.
Estranho ter que escolher uma troca de roupas pra sua filha ser enterrada.
Escolhi roupas minhas; aquelas que ‘misteriosamente’ sempre estavam em seu armário.
Ela estava sem cabelos, por isso separei um lenço prateado pra colocar em torno de sua cabeça e um bracelete pra esconder um pouco o inchaço dos punhos.
Estava tão linda, tão linda, que a impressão que dava era de que em algum momento ela se sentaria no caixão e diria que tudo aquilo era uma grande e sem graça brincadeira.
Mas não era.
Por várias vezes fiquei imaginando o que ela teria dito a respeito do próprio velório: em determinado momento, permaneceram ali cerca de 100 pessoas ao mesmo tempo, o que validou sua teoria sobre a própria popularidade.
Modesta como a mãe dela!
Querida como só ela...
Ela nem imagina, mas, em meio a tanta tristeza, trouxe de volta à minha vida uma pessoa tão importante!
Adoraria compartilhar os detalhes desse sentimento novamente com ela. Fiz isso quando pude e ela sabia quão valiosa a pessoa em questão é pra mim.
Providências de um anjo numa tentativa de mudar o foco da dor de uma mãe.
Tem funcionado...

“Minha vida...
Tudo tão estranho sem você...
Ainda tem um monte de roupas suas no cesto de roupas pra lavar,
cabelos louros misturados aos meus ruivos em minha escova e
nenhuma maquiagem sua espalhada pelo banheiro.
Está tudo errado sem você...”

QUANDO TUDO ACONTECEU...




A única coisa que ela me pediu foi um par de tênis.
Ok... Um par de tênis e uma calça nova.
Eu adorava quando ela ia me esperar na saída do trabalho pra gente comprar as coisinhas que ela queria em parceria com um lanche bem engordativo e um sundae do Mc Donald’s.
Em 28/02/11 foi diferente:

JORNAL CRUZEIRO DO SUL


Falei com ela às 17:00h.
Às 17:10h, quando tornei a ligar pra saber se ela tinha pego um guarda chuva, já estava estirada ao chão aguardando o resgate.
No ponto de ônibus, na calçada, linda, loura, maquiada e atropelada.
A – TRO – PE – LA – DA !
Quando a UTI móvel chegou à emergência do hospital e as portas se abriram, vi minha filha sedada, entubada e partindo.
Peguei sua mão e sussurrei em seu ouvido querendo que ela soubesse que eu estava ali: “Filha, a mamãe ta aqui”.
Duas horas de espera sem nenhuma notícia.
Sabia que era grave, eu vi minha filha saindo da ambulância.
Sabia também que não adiantava esmurrar as portas da emergência em busca de respostas naquele momento. Ela estava sendo examinada, bateu a cabeça, estava em coma.
Isso exigiu de mim uma força e uma calma que não sei de onde tirei.
Uma enfermeira nos deixou entrar na UTI para vê-la (eu e o pai dela).
Era inacreditável aquilo tudo.
Abri os olhos dela, as pupilas estavam midriáticas.
Me preocupei ainda mais, gostaria de ser ignorante nessa hora.
Perguntei pra enfermeira se ela corria risco de morte e ela, muito sinceramente, confirmou.
Pouco depois, o neurocirurgião nos chamou pra falar sobre o estado da Bianca e dos procedimentos que seguiriam.
Ser médico, nessa hora, deve ser a pior coisa do mundo (depois de ser a mãe da vítima).
Ele tinha que dar uma notícia cruel sobre uma adolescente de 15 anos a seus pais.
O pai dela não parava de chorar, era desesperador assistir àquilo.
O médico começou seu discurso dizendo que ela era forte, era jovem, que ia lutar muito e tal.
Ele estava no papel dele, mas eu não queria panos quentes, eu queria a verdade, só a verdade, nada mais que a verdade.
Pedi que assim fizesse.
E assim foi feito.
Meu lado racional gritava com o emocional.
Ele foi franco: o trauma que ela tinha era o mais grave entre todos os traumas de crânio existentes, e que a chance de sobrevivência era mínima.
Ele informou que faria uma cirurgia para retirada de um coágulo que se formou no lado esquerdo do cérebro e que faria a retirada de uma parte da calota craniana para alívio da pressão.
Questionado sobre as reais possibilidades da cirurgia, ele, muito francamente, disse que caso ela conseguisse suportar a cirurgia e eventualmente passar pelo pós-operatório, teria seqüelas gravíssimas. Viveria em estado vegetativo.
Seria egoísmo querer uma filha nesse estado?
Falamos sobre isso algumas vezes: ela teria preferido morrer se tivesse essa opção.
Me levantei e , antes de sair da sala, segurei as duas mãos do médico, agradeci sua franqueza e pedi que fosse lá, fizesse o melhor possível e arrasasse.
Pouco pôde ser feito diante daquele traumatismo craniano.
Na verdade, nada pôde ser feito.
Ela faleceu na manhã do dia seguinte: 01 de março de 2011.
Suportou a cirurgia, mas teve duas paradas cardíacas na manhã seguinte.
Eu tinha passado a madrugada inteira pensando sobre doação de órgãos. Na verdade, estava trabalhando isso dentro da minha cabeça, pois sempre achei que não fosse capaz de tamanha generosidade.
A parada cardíaca impossibilitou a “doação em massa”, mas suas córneas serão responsáveis por uma importante mudança na vida de um desconhecido.
Me orgulhei por ter conseguido fazer isso...
Nesse momento, minha cabeça começava a se organizar em planilhas: o que (e como) dizer aos irmãos menores, onde o corpo seria velado, como eu viveria sem essa menina, como dar a notícia aos amigos, quem era afinal o assassino, onde ele morava, enfim... Pirei.
Faleceu aos 15 anos de idade, deixando pra trás um amontoado de sonhos que jamais serão realizados.
O homem que a matou tem nome, tem endereço e tem minha eterna maldição.
Nada a trará de volta e, sinceramente, lamento não poder fazer justiça com minhas próprias mãos.
Tenho mais dois filhos, e somente por isso vou torcer para que o remorso o leve ao suicídio.
Minha filha foi a criatura mais especial que existiu nesse mundo.
Minha melhor amiga, a maior parceira que tive na vida.
Tínhamos uma relação deliciosa, de amor incondicional e admiração mútua.
Tem sido insuportável não poder mais abraçá-la todas as noites e apertar aqueles ombrinhos macios.
Mais insuportável é constatar que, agora, dou um beijo de ‘boa noite’ a menos quando coloco as crianças pra dormir.
Uma cama fica vazia.
Minha vida está muito mais vazia.

“Boa noite, filhinha...
A mamãe está bem, por você...
Eu te amo!”