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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

DENTRO DE VOCÊ


Já presenciei a morte de algumas pessoas.
Estive ali, presente, no momento em que seus corpos pararam.
Fui, para algumas pessoas, a última imagem registrada por seus olhos...
Uma vez, numa noite de estágio num hospital em Santo André, um homem (cuja razão da internação não era muito clara) estava absolutamente confuso em seu leito.
Com os punhos amarrados à maca por conta de sua inquietação, o homem conseguiu me segurar pela mão.
Nos olhamos, e ele perguntou:
- Você tem filhos?
- Sim, tenho dois (na época, somente Bianca e Nícollas).
- Então, escute o que vou te falar: todos os dias da sua vida, diga a eles que os ama.
E foram, essas, suas últimas palavras...
Ouvir o que aquele homem tinha a dizer foi uma maneira de fazê-lo ficar mais calmo.
Saí da enfermaria e fui cuidar de outro paciente.
Minutos depois, seguiu-se uma correria: o tal homem teve uma parada cardíaca e faleceu.
Lembro dele não somente pelo que me disse antes de morrer, mas por ter sido eu a última pessoa com quem ele conversou.
Fui a última pessoa a testemunhar seu estado de consciência.
Todos os dias, passo pela calçada onde você foi atropelada.
Todos os dias, me recordo daquela manchinha de sangue, tão insignificante, que não nos dava, nem de longe, a vaga noção da gravidade do seu estado.
É estranho o que vou dizer, mas consigo ver tudo o que aconteceu pela sua ótica.
É como se eu estivesse ali, dentro de você, quando aconteceu.
Sinto seu susto, seus últimos momentos de consciência após a queda...
Sinto sua preocupação por mim e por seus irmãos que estavam sozinhos em casa...
Sinto sua revolta por não conseguir falar ou se mover, e sua ignorância de não saber o que te derrubou ao chão...
Não sei se isso tem algum nome além de ‘loucura de mãe’, mas sei exatamente o que você sentiu naqueles poucos minutos.
Tenho certeza de que você sabia que o Filão e o Nícollas estavam ao seu lado, e tenho certeza também que isso abrandou sua angústia, pois sabia que eu estava sendo avisada.
Tenho, na minha memória, a última coisa que você viu.
Não tenho problemas em passar por essa calçada todos os dias, mas tenho sérios problemas em continuar a vida sem você.
Ainda não consegui reorganizar as coisas de forma a preencher a lacuna que se formou... Mas vou ter que arranjar um jeito de lidar com isso...

PS: Eu te amo!

A CENA QUE VOCÊ PERDEU


Fazia frio aquela noite.
Eu vestia, há dois dias, uma calça jeans, uma blusa preta que deixava minhas costas à mostra e calçava um chinelinho.
Por boa parte daquela noite, meu corpo se manteve anestesiado de forma a não me permitir sentir uma gota sequer de desconforto pela baixa temperatura.
Mas, por um momento, me dei conta de que precisava tomar um banho e me agasalhar, pois estava ficando com os pés congelados.
Algumas pessoas que compareceram ao velório, eram pessoas que não via há anos...
O Reinaldo foi uma das presenças que mais me deixou comovida.
Me lembro que, uns dois meses antes de você partir, contei que ele havia me reencontrado pelo facebook.
Depois, me lembrei de que você nem fazia idéia de quem ele era!
Atualizei você de parte da minha adolescência e deixamos a vida correr...
De repente, ele estava lá.
Perguntou se eu queria meias pros meus pés gelados.
Eu ri, dizendo que sim, perguntando se ele ia ficar descalço pra me dar as dele.
Foi o que fez.
Aquela pessoa altíssima, com pés enormes, ficou descalça em favor dos meus pés congelados.
Naquele momento, consegui sorrir e dizer que aquela cena era uma das cenas que você deveria ter presenciado, ou que eu, ao menos, tivesse o direito de poder descreve-la à você.
Você teria achado aquilo hilário!
Mas já não dava mais... Você já não podia me ouvir.
Sua partida, embora vocês não tivessem nunca se visto, mexeu bastante com ele.
E eu o entendi.
E o agradeço muito por ter estado ao meu lado por alguns instantes naquela noite.
Pessoas como ele, e com a importância que ele tem na minha vida, foram responsáveis por todo o meu controle e por minha serenidade naquele momento tão esquisito...
Queria que vocês tivessesem se conhecido...
Você, Bianca, compartilhou comigo segredos, loucuras e insanidades.
Riu de mim, riu pra mim e riu comigo.
Sorriso da boca imensa e feliz, do rosto com covinhas e dos olhos lacrimejantes...
Quanta falta me faz, minha menininha...

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

OITO MESES


Passei a perceber, com mais atenção, como o tempo é para cada pessoa.
Quero dizer, de modo meio confuso, que o período de uma semana pode ser referência de muito ou pouco tempo, dependendo de quem se trata.
Estamos há 8 meses sem você.
Seu irmão não se pronuncia sobre o assunto, mas sua ausência se faz presente em cada minuto da vida dele.
Sua irmã, numa das 200 mil conversas diárias que tem comigo e que inclui seu nome, disse, resignada, que fazia ‘o maior tempão que você tinha morrido’.
Quando uma criança adoece, ainda que com gravidade, os médicos sempre dizem que o poder de recuperação delas é muito superior aos adultos.
Certamente, isso também se aplica às ‘doenças emocionais’...
Gostaria de ser criança...
Para mim, o tempo parou naquele dia.
É como se todos os dias, desde aquele dia, fosse o dia do seu enterro.
É a mesma sensação de dor, de falta, de revolta, de saudade...
Eu queria tanto você de volta...

"O coração de uma mãe que perde um filho é um pedaço desgraçado de carne que apodrece num corpo vivo, onde todo o resto teima em funcionar."

Sinto que, agora, estou vivenciando a fase mais solitária desde que você foi tirada de mim.
Me sinto absurdamente sozinha na tarefa de ainda estar indignada e sofrer a maior de todas as dores.
Ninguém, por mais que sinta amor, é mais ‘dono’ de um filho do que sua mãe.
É a mãe, e somente ela, o ser capaz de qualquer insanidade por uma outra criatura, por um pedaço seu...
Eu teria morrido em seu lugar.
Vejo as pessoas vivendo a normalidade de suas vidas e as invejo.
Me pergunto se, algum dia, viverei em calmaria novamente.
A dor que sinto no peito é ímpar.
Luto, diariamente, para não me tornar uma pessoa amarga.
Luto, bravamente, contra a vontade de me matar.
Hoje, vi um filme cuja personagem perdera seu filho.
Coincidentemente, o filho morrera atropelado há 8 meses e ela disse algo mais ou menos assim sobre a dor que uma mãe carrega quando perde um filho:

“A gente arrasta esse peso por muito tempo...
Mas, em algum momento, sem que a gente se dê conta, ele se transformará num tijolo que poderemos carregar dentro de um bolso.
Às vezes, esse tijolo nem será notado, mas quando colocarmos a mão no bolso, lembraremos que está ali.
E, mesmo sabendo disso, será suportável carregá-lo.”

Gostaria de saber quando é que minha dor vai ‘virar um tijolo’, quando será suportável e quando vou conseguir superar...
Quando?
Quanto tempo demora isso?
Amor...
Não mais haverá, no mundo, duas criaturas com tanta cumplicidade como nós.
Não mais haverá um amor como o meu por você...
Um beijo...